sábado, 3 de agosto de 2019

ANEXO AO CAP. VIII- ALGUMAS PEÇAS DE TEATRO DE THEOPHILO

“OS MILAGRES DE NOSSA SENHORA DO PILAR ou A VINGANÇA DE BADICHÔ” (Este resumo do enredo da peça foi elaborado a partir de uma cópia manuscrita feita por Romualdo Figueiredo, em Lorena-SP, junho de 1914 a que tive acesso. Faz parte do acervo da Biblioteca Pública do Paraná, seção de Documentação Paranaense) A peça abrange: -Prólogo- 12 cenas- passa-se em 1804 -1º Ato- 10 cenas- passa-se em 1824, assim como os Atos seguintes -2º Ato- 13 cenas -3º Ato- 12 cenas “Decoração”: -Prólogo- no interior da casa de Lobo do Mar -1º Ato- bosque cerrado e escuro até o meio da cena; à esquerda, casa de Lobo do Mar, ao fundo o mar, um bote junto à rampa, à direita, um pilar de tijolos -2º Ato- salão ricamente mobiliado em casa do Conde Artoff -3º Ato- subterrâneos do castelo do Conde Artoff Personagens: Conde Artoff O Diabo Lobo do Mar Alberto de Kennes, depois Badichô. Luciano Zé do Arpão Hércules Jacques John José, criado 1º Pescador 2º Pescador O Anjo Branca Clemência Anjos, marujos, pescadores, conjurados, crianças. Títulos dos quadros: 1º Dez léguas a pé 2º O rapto com o Diabo ao leme 3º O Duelo 4º A pipa do Diabo 5º O livro de orações 6º A punhalada infernal 7º A explosão 8º O arrependimento salva Resumo do enredo: Prólogo- Estamos em 1804. O Lobo do Mar chega de viagem, depois de um ano, e encontra a esposa, Clemência, com sua filha no colo, Branca, que já tem 4 meses. Lobo do Mar, pai depois de 11 anos de casado, fica muito contente com o nascimento dela. Alberto de Kennes, amigo deles, está lá, de visita. Afirma que sua irmã Jenny, casada com o Conde Artoff, continua sendo maltratada pelo marido (Clemência foi criada pela mãe de Alberto, a Condessa de Kennes, que mora em Nantes. A peça se passa nas costas da Bretanha). Zé do Arpão, que é da tripulação do Lobo do Mar, chega depois. Na conversação que mantêm, é mencionado seu filho, o garoto Luciano, que trabalha com ele (Zé do Arpão é viúvo). Ele cobra dos pais de Branca a promessa de que Luciano deverá casar-se com a filha de Lobo do Mar. Na conversa, Lobo do Mar conta que demorou para voltar porque uma vez, navegando nas costas do Brasil, foi obrigado a entrar na baía de Paranaguá. Lá teve oportunidade de visitar a vila de Nossa Senhora do Pilar (*), onde lhe falaram sobre os milagres desta. Ele faz o elogio dessa vila (“bela vila”) e de seu povo (“boa gente”). Os amigos festejam o nascimento de Branca: bebem vinho e fazem música. O Prólogo conclui com a entrada de Alberto, com uma criança nos braços. Ele a traz para o casal Clemência-Lobo do Mar, pois a mãe da criança não vive mais. (*) Trata-se de Antonina, no litoral paranaense, onde nasceu e residiu Theophilo Soares Gomes. Sua padroeira é Nossa Senhora do Pilar. 1º Ato- A ação transcorre vinte anos depois, em 1824. O Diabo e o Conde Artoff caminham num bosque, em direção à casa do Lobo do Mar. Descansam depois de dez léguas (cf. título do 1º quadro). O Conde fez um pacto com o Diabo: deu a sua alma em troca de possuir Branca, a filha do Lobo do Mar. O Diabo lhe dará também glórias e riqueza. Zé do Arpão conversa com Jacques sobre a pesca da baleia enquanto o 1º Pescador comenta que o tenente (da Armada) Luciano, filho de Zé do Arpão, vai casar-se naquele dia com Branca. Os dois vão morar numa casa que o tenente comprou, nos arredores de S. Nazaire. O Lobo do Mar decide viver de rendimentos e um dos pescadores vai dirigir a barca de pesca. Doravante, os pescadores terão “meio quinhão no produto da pesca”. Clima de festa (por causa das bodas), música. Enquanto o Conde entra cauteloso na casa de Lobo do Mar, o Diabo, “embuçado numa capa”, pergunta pelo Lobo do Mar, pois deseja passar, de barco, para o outro lado da baía). Lobo ordena que dois de seus homens o levem no bote. O Diabo diz que não é preciso, ele sozinho manobrará o bote. Lobo adverte-o que isso é perigoso, dadas as condições climáticas. Mas ele insiste e segue em frente, antes pedindo para todos fecharem os olhos e só abrirem depois, quando ele estiver no barco, ao seu sinal. Todos o obedecem, “como impelidos por uma força sobrenatural” (o Conde sai com Branca nos braços, desfalecida pelo poder do Diabo, e embarcando num escaler). Mais tarde, percebem que foram logrados, que o Conde Artoff e seu cúmplice estão raptando a filha do Lobo do Mar. O Diabo vai ao leme (cf. título do 2º quadro). Luciano chega, ouvindo o barulho dos que estão ali. Todos decidem persegui-los. As embarcações estão à deriva, só resta a baleeira. Lobo vai buscá-la a nado. Todos se preparam em terra, armando-se para quando ele voltar. São liderados pelo tenente Luciano. O Conde tem um castelo do outro lado da baía. Luciano conhece uma entrada para o subterrâneo do Castelo. Quando Zé do Arpão fala “Com mil diabos”, o Diabo aparece perguntando – “Que me queres?” (esse tipo de evento ocorre várias vezes na peça, em outras situações). Luciano vai duelar com o Diabo (cf. título do 3º quadro) (antes afirmara querer duelar com o Conde Artoff, que lhe raptou a noiva no dia de seu casamento). Mas Zé não permite isso. Quando invoca N. Sra. do Pilar, de quem é devoto, um pilar transforma-se num ramalhete onde aparece o Anjo. O Diabo desaparece. A cidade do Lobo do Mar chama-se Poliguen. . 2º Ato- Na casa do Conde Artoff, Branca está presa já há dois dias. Lamenta a sua sorte e resiste aos apelos do Conde para que ela seja dele. Ele lhe dará “posição, riqueza, prazeres e faustos”. Diz que é poderoso, é o chefe supremo de uma sociedade secreta. Como demonstração de seu poder, dá três pancadas com o pé. No mesmo instante, abre-se um alçapão e dele sai um grupo de crianças armadas de punhais. Hércules pergunta—“O que ordenais, Chefe Supremo?”. Ele, junto com os “conjurados” (= o grupo de crianças armadas), após declarar submissão absoluta à vontade do chefe, retorna aos “subterrâneos” do Castelo. O Conde vai encerrar Branca nesses subterrâneos. Se ela não mudar de ideia a respeito dele, será morta. Ela o chama de cobarde (porque ele ameaça uma mulher), diz que seu pai, o Lobo do Mar, lhe daria uma lição. O Lobo espreita pela janela. Depois da discussão, o Conde decide matá-la. O Lobo salta pela janela e desarma o Conde. Antes de levá-la, Lobo diz algumas palavras para o “birbante” (= patife), dentre as quais estas: “/.../ não ande a querer desonrar esta menina, simplesmente porque é filha d’um pescador... Sim, de um pescador sem títulos nem instrução, mas que tem um coração mais nobre que o seu, e um procedimento que vale mais do que toda a sua fidalguia.” Bate com os pés no assoalho mas ninguém vem, esquecido de que mudara o sinal combinado. Lobo e a filha saem. Depois, aparece Hércules. O Conde manda-o dizer aos outros para prenderem Lobo e Branca e conduzi-los ao “grande subterrâneo”. O criado José e o Mordomo (=o Diabo) estão na sala principal do Castelo. O Mordomo pede água, José vai buscar. O Diabo lhe diz que há ali perto uma pipa (cf. título do 4º quadro). José só vê de início uma cadeira, que cai de costas quando ele põe o dedo na pipa e diz que a água está fervendo (depois a cadeira volta a estar de pé). O Diabo desaparece, José sai, assustado. Surge o Conde e diz que recuperou Branca. Houve luta, Lobo está ferido, Luciano lutou bravamente mas seus companheiros recuaram ante a presença de Lúcifer, que fugiu com Branca entre os braços. Branca é encerrada no subterrâneo sob os cuidados de Hércules. Ali há víveres, pólvora e balas. O Conde sozinho (sem o Diabo) tem “cruéis pressentimentos”. Abandonou a mulher horas antes dela dar a luz. Procurou depois a sua filha, mas não conseguiu encontrá-la. Tem remorso por haver vendido a sua alma. Vê o chão abrir-se a seus pés, e os “semblantes lívidos” dos que caíram debaixo do seu punhal. Ele tem medo, chama por Satanás, que o deixou só. Há um rumor, e Luciano entra na sala do Conde. Chama-o para o duelo, que o Conde aceita. Bate três vezes com o pé no assoalho. Chegam Hércules e conjurados, saindo do alçapão. Mas nem o Diabo (que está presente) nem os conjurados não conseguem fazer nada contra Luciano, porque sobre a mesa está o livro de orações de Branca. É o “livro de orações da Santíssima Senhora do Pilar” (cf. título do 5º quadro). Luciano mostra o livro para eles. Os punhais dos conjurados se transformam em leques, uma estante transforma-se em pedestal onde aparece o Anjo, que manda abrir-se o Inferno, para onde vai o Diabo. 3º Ato- A ação passa-se nos subterrâneos do Castelo. Hércules diz a John que o tenente Luciano avança com trezentos homens para atacar o subterrâneo (ele conhece as entradas do subterrâneo). Surge Badichô, o louco. Traz uns papéis escritos, que entrega a Branca. Esta lê as “Memórias de Badichô”. Há vinte anos ele vive ali, prisioneiro. Sofrendo torturas. O culpado disso é o Conde, que abandonou sua mulher, Jenny, irmã de Badichô. Ela morreu no dia em que deu à luz uma menina. Ele a levou para um casal amigo, para que a esposa a amamentasse (Jenny escondeu do marido o nascimento da filha para que ela não ficasse sob seu poder, pois a vida dele era cheia de crimes e devassidões). Depois, Badichô sai. E também Branca, quando ouve passos. Entra Hércules. Está com o Diabo. Este pede para que ele dê uma punhalada no seu ventre pois está com cócegas. Após hesitar um pouco, Hércules atende ao seu pedido (o Diabo não sente dor nenhuma) (cf. título do quadro nº 6). Mais tarde, Hércules diz a Branca que Badichô, ou Alberto de Kennes, cunhado do chefe, ficará ali eternamente (subentende-se que ele tenha sido muito torturado para dizer o paradeiro da filha do Conde, o que não conseguiram descobrir). Antes afirmou-se que o Conde foi atrás de Alberto, quando este voltou de Nantes, onde foi avistar-se com sua mãe. Em vez de duelar como um nobre, o Conde mandou seus subordinados o aprisionarem e o levarem para aquele lugar. Lobo do Mar e tenente Luciano se aproximam com seus homens. Trava-se um combate. Vozes fora dão vivas ao tenente e ao Lobo do Mar, vitoriosos. Eles vencem por causa da cruz que Zé do Arpão traz sobre o peito. Confraternizam-se (Branca com Luciano, Lobo do Mar etc). Badichô recupera a razão. Ele revela ao Conde que Branca é na realidade sua filha. Lobo do Mar também revela que a primeira Branca morreu, e ele deu o mesmo nome à filha adotiva (esta tem um sinal no braço, que Badichô antes verificou). Branca perdoa o Conde, que se arrepende. Pede para que sua filha (“este anjo”) seja levada dali. Ele deve ficar lá, “preso de mil torturas”. Saem todos, exceto Hércules, o Conde Artoff e Badichô. Este, que havia aberto antes o alçapão que dá para o paiol de pólvora, dá um tiro de pistola no paiol e provoca uma explosão (cf. título do quadro nº 7) que faz desaparecer o subterrâneo. Só se vêem no final as sepulturas que trazem o nome dos três acima. Na última cena, em que aparecem o Anjo e o Diabo, o Anjo diz que o arrependimento absolveu o Conde (cf. título do quadro nº 8). Rompe-se o pano do céu, ao fundo, e vê-se um altar onde está N.Sra. do Pilar. Ajoelhados estão Luciano e Branca. Lobo do Mar e Zé do Arpão assistem ao seu casamento. "XISTO N’UMA REPÚBLICA DE ESTUDANTES". Comédia original em 1 acto por Theophilo Soares Gomes. Curityba: Companhia Typographica, 1893. “Representada com geral aplauso nos teatros de Paranaguá e Antonina, no Estado do Paraná” (a comédia é dedicada a sua cunhada D. Antonia Alves d’Araújo) Personagens: Xisto, fazendeiro em Guarapuava. Atanásia, sua mulher. Erasmo, cadete. Afonso, estudante Macedo, idem Janguinho, idem Eurides, idem Pepita, espanhola José, moleque Xisto é um simplório criador de gado em Guarapuava que chega, no terceiro dia de carnaval numa república de estudantes paranaenses em São Paulo à procura de seu sobrinho “nhô Quim”. Este não está ali, pois foi passar uns dias com uns amigos em Piracicaba. Os estudantes, contudo, não deixam Xisto ir embora. Embora sem dinheiro, encomendam uma lauta ceia, regada a “champagne”, para recebê-lo, no restaurante Terraço Paulista, localizado no largo de S. Bento. Usando de um artifício (quem ia pagar esqueceu a carteira) e da bela Pepita, uma bela espanhola por quem Xisto “fica caidinho”, este acaba dando o dinheiro (190 mil réis) para pagar aquela refeição. Quando todos estão no restaurante, Atanásia, a esposa de Xisto, que ficara em Sorocaba para visitar a irmã, chega à república e só encontra nela o moleque José, o qual lhe diz que Xisto está se divertindo com Pepita no restaurante. Irritada, Atanásia vai atrás dele. Na cena seguinte, todos já voltaram do restaurante, e o ingênuo Xisto está assustado porque deverá bater-se em duelo com um dos estudantes, Afonso, pois ambos disputam o amor de Pepita. Alguém traz pistolas (com pólvora seca) e na troca de tiros, Afonso cai fingindo-se de morto. Xisto pensa que o matou. Para enganar a polícia, resolvem alugar fantasias e disfarçados jogar o cadáver no rio Tietê, aproveitando a agitação carnavalesca. Na realidade os estudantes não tinham dinheiro para ir ao baile “masquê” de carnaval e usando esse pretexto conseguem arrancar mais 300 mil réis de Xisto. Na sequência, com a “ressurreição” do defunto, que foge junto com os outros chamando Xisto de “paio” (=tolo), Xisto percebe o que aconteceu e entra na festa. Chama José para lhe ajudar a alugar fantasias. Xisto se veste de princês (= mascarado vestido de príncipe) e José de Mefistófeles. Quando Xisto está fazendo a corte a Pepita no baile masquê, entra Atanásia, que o leva embora aos empurrões. Na última cena, todos estão dançando can-can no baile. José com a voz fina convida Janguinho, outro estudante, para dançar. Mas é desmascarado, e xingado. Xisto entra correndo e passa o braço em Pepita. Atanásia o persegue, mas não consegue alcançá-lo. José a toma pela cintura. Como se vê, essa comédia explora a ingenuidade do fazendeiro simplório, Xisto, vítima de estudantes sem dinheiro que querem se divertir no carnaval financiados por ele, o que conseguem. Trata-se de uma peça com algumas situações engraçadas (o moleque José complicando a vida de Xisto pelo que diz à esposa deste, Xisto cortejando Pepita e chamando Astanasia de “canhão” no momento em que esta chega e ouve o que ele diz etc). Mas de modo geral a peça deixa a desejar como comédia, e seu tema não é muito original. Porém, como documento de época é interessante, pois mostra como era festejado o carnaval antigamente e também como era a vida de estudantes fora de casa, num tempo em que as faculdades no Brasil eram poucas e localizadas apenas em alguns centros maiores, para onde iam os filhos das classes mais abastadas do interior do país. Em termos de inventividade, “Os Milagres de Nossa Senhora do Pilar” é superior a esta peça. São todavia peças de natureza diferente, uma “fantástica” e outra “realista”. Ambas se passam fora do Paraná, e se referem a ele indiretamente. Enquanto “Os Milagres...” é uma peça religiosa, “Xisto numa República de Estudantes” é leiga, e mesmo tolerante com o adultério, pois a simpatia do espectador volta-se mais para as relações de Xisto com Pepita do que com Atanásia. Quanto aos personagens desta peça leiga, destaca-se o de José, o moleque (que não gosta de ser chamado assim) altivo, não servil. Por outro lado, a peça mostra o caráter “democrático” do nosso carnaval, apesar da natureza acentuadamente elitista da sociedade de então. "GERERÊ OU O QUILOMBO DO SARGENTO" Em 12 de março de 1893 foi encenada, em Paranaguá, a peça “Gererê ou o Quilombo do Sargento”, assim elogiada numa coluna do jornal “O Commercio”: “Gererê é uma criação de mérito. Em todas as cenas há um interesse palpitante, vivo e luminoso. Seu autor, à par de muito talento artístico, revela um reconhecimento profundo e minucioso do jogo de cena. No drama há um entrechocar contínuo de grandes paixões. Gererê, o protagonista, é um escravo de caráter nobre, que a fatalidade envolve numa rede de circunstâncias tais que trazem em consequência graves injustiças e atrozes dores para o seu caráter límpido e para a sua alma casta. Teófilo Soares faz no decorrer das cenas a apoteose da honra e a estigmatização da iniquidade e do crime. Os diálogos deslizam naturalmente, vívidos, animados, sem exagero de frases declamatórias. Melhor que todas as determinações que possamos fazer, dá idéia do vigor da peça a emoção que muitas vezes imprimia um frisson nervoso nos espectadores.” (apud Sebastião Paraná- “Galeria Paranaense”, op cit, p. 73)

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